No início de
2011 aceitei escrever sobre as minhas viagens para o Jornal Lezírias.
Decidi escrever sobre a aventura que me permitiu, em Agosto de 2002, conhecer a Gâmbia.
Partilho agora
aqui essa minha singela colaboração no, entretanto extinto, jornal coruchense.
Estávamos em St. Louis no norte
do Senegal e, depois de abortados os planos de seguir para o Mali, os meus
companheiros de viagem votaram por dar uns dias de descanso às máquinas e aos
corpos nuns simpáticos bungalows
junto à praia. Para chegarmos ali já tínhamos feito mais de 3000 quilómetros de
jipe desde que saíramos de Coruche, tendo já percorrido de alto a baixo o
imenso reino de Marrocos, atravessado a Mauritânia e sulcado o exigente e inóspito
Sahara, o deserto dos desertos
Ficar na praia não era o que
tinha em mente para aquela viagem e, já que ali estava, considerava que devia
aproveitar para conhecer o máximo. Depressa delineei e pus em prática um plano alternativo
que passava por ir de transportes públicos até Dakar
Bem cedo na manhã seguinte, na agitada
estação de táxis comunitários de St. Louis, ressoavam já umas centenas de carrinhas
Peugeot 504 cujos condutores se acotovelavam para angariarem os dez passageiros
sem os quais não podem partir.
- Dakar, Dakar! – Gritavam alguns
deles.
- A que horas parte? – Perguntei.
- Imediatamente. Só há um lugar!
– Respondeu-me o mais afoito.
Acordámos o preço e aí vou eu
para o “meu” Peugeot sobrelotado de pessoas e carga. Lá dentro, para minha
surpresa, outro passageiro não africano além de mim. Depressa iniciamos
conversa e descubro que se trata de um americano de Nova York que está a fazer
voluntariado na Gâmbia, o pequeno país encravado no Senegal, para onde regressa
depois de ter vindo passar uns dias a St. Louis. Mas antes precisa de parar em
Dakar para recolher uma documentação da ONG para quem trabalha. Até Dakar a
conversa flui. Conto-lhe como apareço ali, ele explica-me o que o levou à
Gâmbia, falamos de Portugal e da América. Falamos de Nova York e das
inevitáveis torres gémeas que ele viu cair in
loco. Falamos de África e do mundo, do futuro e da história. Já a chegar a
Dakar, desafia-me:
-Paulo, porque não vens conhecer
a Gâmbia?
-Mas Brian, daqui a dois dias
tenho de me encontrar de novo com os meus companheiros aqui no Senegal. Achas
que dá tempo?
-Humm, se viajarmos hoje à noite,
dá! – Diz-me, sem muitas certezas.
Combinamos o sítio e a hora para
nos encontrarmos ao final da tarde. O Brian vai tratar dos assuntos dele e eu
faço o meu abreviado tour pela
frenética cidade de Dakar. Visito a Praça da Independência, o Museu de Artes Africanas,
a Catedral, aprecio o artesanato de rua e assim rapidamente se passa a tarde.
À hora combinada reencontro o
Brian e apressamo-nos a encontrar transporte para a fronteira. Viajamos de
noite, novamente numa carrinha Peugeot 504 sobrelotada e esta com muitos decibéis
a mais. E o condutor não se cansa de colocar no leitor as cassetes com os
últimos sucessos da música africana que a maioria dos passageiros parece
apreciar.
É neste ritmo, e a distribuir
passageiros pelo caminho, que chegamos ao posto fronteiriço do Senegal, já
depois da meia-noite mas que afortunadamente até estava aberto àquela hora.
Cumprimos as formalidades de saída e a carrinha leva-nos até uns 700 metros
mais à frente.
-Fim da viagem! – Anuncia o
condutor.
-Fim da viagem?! Então não nos
levas ao posto fronteiriço da Gâmbia?
-Está fechado. Só abre amanhã às
sete.
-Fechado?! – Eu e o Brian já aflitos.
-E agora?
Estamos em no man’s land e faltam mais de seis horas para abrir a fronteira
para podermos entrar na Gâmbia. Alguém nos tenta alugar uns empoeirados e muito
usados colchões de espuma para dormirmos num alpendre ali à beira da estrada.
As alternativas não são muitas mas, enquanto conferenciamos sobre o que fazer,
o condutor da nossa carrinha remata:
-Há um baile esta noite na escola
da aldeia. Querem vir?
E é assim que numa quente noite
do fim de Agosto, e contra as minhas melhores expectativas, me encontro num
verdadeiro e animado baile africano numa aldeia em terra de ninguém. E quem
melhor para atracção da festa do que dois brancos com cara de assustados que
apareceram ali do nada? As meninas revezam-se a ensinar-nos a dançar e os
rapazes fazem fila para conversar connosco. Oferecem-nos Coca-Colas, o DJ
dedica-nos músicas e a noite corre animada.
Quando termina o baile ainda
faltam quase três horas para abrir a fronteira mas a organizadora do baile, a
Sylvie, ciente da nossa situação, oferece-nos abrigo num quarto ao lado da casa
da sua família. De manhã a prestável Sylvie acorda-nos e indica-nos o caminho
para a fronteira. Aí novo problema. O guarda fronteiriço folheia pacientemente
a lista e lá bem no fim encontra Portugal.
-Português precisa de visto! Tem
de ir à embaixada em Dakar.
-Mas eu não tenho tempo. Só tenho
dois dias para visitar o seu país e se tiver de regressar a Dakar já não dá
tempo de voltar. Como é que podemos resolver isso? – Arrisco.
-Impossível. É a lei… Eu até
gostava de ajudar, mas muito difícil… – Diz-me, obsequioso.
Alguns euros mais tarde lembra-se
que me pode passar uma autorização especial de visita por 48 horas que serve
perfeitamente os meus propósitos. E aí estou eu na Gâmbia!
Rapidamente chegamos a Banjul, a
capital, e o Brian explica-me sumariamente a cidade. Depositamos as bagagens em
casa e ele segue imediatamente para ONG onde já está atrasado para uma reunião.
Fico com o dia para conhecer a cidade e os arredores. Calcorreio o mercado,
passeio pela cidade, tomo uma bebida junto à praia, visito uma afamada reserva
de macacos autóctones, e ao final do dia reencontro o Brian já apressado pois
temos de ir a um jantar da ONG americana Peace Corps onde trabalha a namorada e
alguns dos seus amigos. Uma casa cheia de americanos, gambianos e eu. Uma
refeição vegetariana e umas horas de conversa em várias línguas e dialectos e uma
noite bem passada.
No dia seguinte, bem cedo,
despedi-me do Brian e iniciei o percurso inverso de regresso ao Senegal para me
reencontrar com os meus companheiros que haviam ficado em St. Louis e que me
julgavam em Dakar. Ficaram incrédulos quando lhes contei as aventuras dos dias
anteriores e até eu estava abismado com tudo o que tinha vivido em tão pouco
tempo.
O regresso a Coruche decorreu sem
sobressaltos e a memória desses dias deu-me a certeza que viajar de forma
independente era algo que queria repetir. Uns anos mais tarde fi-lo durante 4
meses seguidos…